Depois de dois anos com a procura estrangulada, fruto de uma realidade que a todos surpreendeu, nota-se uma enorme vontade das pessoas viajarem e recuperarem esses dois anos de quase confinamento obrigatório.
Este período viu a procura, por um lado, desaparecer, e a oferta, por outro, quase definhar com as quebras de receita aplicadas às empresas.
No geral, mas particularmente no turismo, o impacto foi fortíssimo. Portugal, que vinha de um ciclo muito positivo entre 2015 e 2019, com crescimentos de receita e turistas muito expressivos ressentiu-se significativamente.
Um dos efeitos que se vinha a notar também nesse período era o crescimento do preço médio do quarto, alinhado com uma qualidade de serviço e melhoria substantiva nas infra-estruturas. Portugal seguia o processo normal quando se pretende desenvolver um destino que se quer de qualidade reconhecida.
Desde sempre que defendo, aplico e ensino a gestão hoteleira com base numa filosofia de Revenue Management, alinhando os objetivos com os resultados, satisfazendo todos os stakeholders (clientes, colaboradores, fornecedores, accionistas,…). O Revenue Management como filosofia de gestão tem bases muito sólidas e estruturadas que permitem definir estratégias de crescimento constante e consistente. Não se pretende obter tudo num dia/ano/mês, mas sim definir uma estratégia de longo prazo que só terá sucesso se o cliente reconhecer valor ao preço que paga.
Aquilo que se está a assistir em 2022, é a construção de uma espécie de “bomba” relógio, que irá explodir no médio prazo. Os preços praticados vs o serviço prestado estão desalinhados e percebe-se um total desespero por parte da oferta que pretende recuperar o que perdeu nos dois anos anteriores. Obviamente que é importante recuperar, mas com bom senso. Não vale tudo…ou melhor, vale, mas as consequências podem ser muito negativas.
Este ano de 2022 trouxe consigo uma tempestade perfeita, juntando uma procura que muitos surpreendeu com uma falta de mão-de-obra generalizada. A consequência foi uma impreparação das empresas para dar resposta às solicitações dos consumidores refletindo-se numa quebra da qualidade do serviço e, em alguns casos, na redução ou eliminação de facilidades nas unidades de alojamento.
O comportamento da procura, por via de uma condição excecional, faz com que o consumidor, pela ansia de viajar, esteja disposto a pagar qualquer preço. Mas, mesmo disposto a pagar mais, ainda tem noção da relação preço vs valor. Essa noção vai-se refletir no futuro levando o mesmo a penalizar organizações que exerceram aproveitamento nesse momento. A imagem da organização, do destino e do país acaba por sofrer as consequências mais tarde.
Podemos sempre revisitar Kotler (2000) e a sua matriz de estratégias de Preço-Qualidade e verificar que para qualidade elevada e preço alto temos uma estratégia de Preço Premium, mas para uma estratégia de baixa qualidade e preço alto temos uma estratégia de Assalto ao Cliente.
Fazendo uma simples e rápida análise ao mercado percebe-se que a estratégia aplicada tem sido apenas a do aproveitamento do momento, sem qualquer base dos princípios de Revenue Management. Provavelmente… são os algoritmos a funcionar.
Defendo à muito que Portugal deve apostar num turismo de qualidade, com o preço alinhado a esse nível de serviço, em detrimento de um turismo massificado, de milhões de pessoas, que tendem a destruir a paisagem, a autenticidade e as comunidades locais. Um turismo que se disperse pelo território e não um turismo que se concentra em três ou quatro destinos ignorando todo o resto que muito tem para dar e mostrar. Um turismo que permita dispersar a receita de forma mais justa, que acrescente valor, fortalecendo a coesão territorial e proporcionando oportunidades equitativas a todos os agentes turísticos independentemente da sua localização. Infelizmente, os discursos e as práticas são antagónicas. Escrevemos planos estratégicos cheios de sustentabilidade e palavras bonitas ao mesmo tempo que festejamos e aplaudimos recordes de turistas….na dicotomia economia vs sustentabilidade, ganhará sempre a primeira.
KOTLER P. (2000), “Marketing Administration”, Prentice Hall