O entusiasmo é grande. Muitos começam a ver em 2022 uma recuperação do turismo que teria sido projetada para 2024.
Mas será esta recuperação assim tão entusiasmante e tão inesperada?
Basta recuar 2 anos e analisar o efeito pós-confinamento imposto em março de 2020. Nessa altura também os cabeleireiros tiveram um inesperado pico de procura nas semanas que se seguiram. E depois? Manteve-se? Claro que não. Depois ajustou-se à regular procura da normal necessidade de cortar o cabelo ou fazer a manicure. O mesmo deverá ser esperado no turismo.
Dois anos de confinamento devido à pandemia Covid levaram a uma anormal conjugação de efeitos com as previsíveis consequências. A redução e paragem das viagens internacionais, a redução do movimento de pessoas no seu dia-a-dia, a limitação de acesso a espaços comerciais e o medo de multidões ou grandes aglomerados de pessoas levaram a uma retracção enorme no consumo das famílias e das empresas. Consequentemente o valor não gasto nessa normal atividade que vivíamos ficou retido nas contas bancárias (nunca, em Portugal, as famílias tiveram tanto dinheiro nas contas à ordem, segundo o Banco de Portugal, como em 2021). Em 2022, com o lento regresso ao normal no inicio do ano, o aliviar das restrições, quer locais, nacionais e internacionais, faziam antever um verão com um maior dinâmica. A procura estava constrangida, as pessoas queriam viajar mas não podiam. Seria obvio que na primeira oportunidade iriam viajar, precisavam de viajar. Além disso, o efeito psicológico que a pandemia provocou foi também um catalisador neste movimento anormal. Muitas pessoas tiveram a noção do quão frágeis somos e como a nossa vida é o elo mais fraco perante ameaças invisíveis e microscópicas. Muitos que não tinham o hábito de viajar regularmente também o pretenderam fazer. Muitas destas viagens servem, e serviram, para recuperar a sensação de controlo da nossa vida.
O IMPACTO NO TURISMO
Dois anos depois de um evento que a todos, sem excepção, afetou, seria normal perspectivar que uma rápida recuperação iria ter as necessárias consequências negativas. Sem término à vista, o período pandémico levou a que governos, empresas e pessoas tomassem medidas que mitigassem as consequências, previsivelmente negativas, de uma realidade desconhecida da maioria. Da redução de pessoal, Lay-Off, trabalho remoto, encerramento de estabelecimentos, hotéis e aeroportos muitas foram as medidas adoptadas. Na aviação, muitas foram as companhias que reduziram as suas frotas de forma a reduzir e conter os custos num instinto natural pela sobrevivência. As perdas eram muitas e era necessário estancar a “hemorragia”. Considerando esta realidade seria previsível que uma rápida retoma tivesse as consequências que temos assistido com aeroportos em completo caos, reclamações, voos cancelados, etc…
A falta de mão-de-obra também seria expectável que sofresse uma redução. Com o encerramento total ou parcial de muitas empresas as pessoas necessitavam de continuar a viver. Se por um lado algumas empresas mantiveram os postos de trabalho recorrendo ao lay-off, muitas outras aproveitam os contratos de trabalho a termo certo para dispensar colaboradores. Sem uma luz ao fundo do túnel estes colaboradores procuraram outras soluções. Também muita mão de obra emigrante regressou aos seus países de origem após o encerramento das empresas, levando assim ao êxodo de mão-de-obra que complementava a falta de profissionais nacionais. Se refletirmos no que se passou nos últimos dois anos, percebemos que existiu uma retracção global em todas dimensões da sociedade.
Relativamente ao turismo, assistimos em 2022 ao que podia acontecer em 2023 ou 2024 ou 2025, um grande fluxo de pessoas iria procurar viajar assim que a pandemia fosse “controlada”, se é que se pode dizer desta forma. Essa procura estrangulada estava lá, à espera da oportunidade. Independente do ano. Ano esse que também poucos conseguiriam antever.
Com esta realidade a acontecer importa agora refletir no que se seguirá. E o que será expectável é o normal regresso à atividade, se, o inverno não trouxer novidades menos boas relativas às variantes Covid. Mas esse não é só o desafio para os próximos tempos. Avizinham-se pós-verão muitos desafios e muitas variáveis que podem afetar o turismo negativamente no próximo ano. A continuação ou não da guerra da Ucrânia e consequentes impactos na economia europeia, com a subida da inflação, taxas de juro, custos da energia e combustível. Uma recessão previsível em toda a Europa, com foco no motor económico que é a Alemanha. A perda de poder de compra dos europeus e uma redução do consumo de produtos turísticos no sul da Europa. As alterações climáticas, a falta de chuva e secas prolongadas que podem colocar em risco vários destinos turísticos. O aumento dos custos de contexto para as empresas que operam na área do turismo. A recuperação de 2022 pode não ser suficiente para capitalizar muitas empresas que sairam enfraquecidas do período pandémico e que têm ainda responsabilidades de pagamentos de apoios do governo que não foram a fundo perdido.
O futuro é desafiante… mas não podemos perder de vista a Lei de Murphy.
Não sou pessimista, nem otimista. Mas recomendo sempre que nos preparemos para o pior, esperando o melhor.